quinta-feira, 30 de julho de 2015

Todos merecem uma explicação...



Perceberam que eu desapareci?
Pois é.
Desapareci mesmo.
Mas criei vergonha na cara e vim aqui contar o que aconteceu.
Foram tantas coisas...
Senta vai, que a história é longa.
Estávamos nós, meu marido e meus filhos, felizes e contentes, morando em Porto Alegre, quando mais um inverno chegou.
Todo inverno no sul me faz surtar. Sur-tar.
Minha filha maior, Maria Valentina, agora com 7 anos, é asmática crônica.
Usou as famosas "bombinhas" desde os 6 meses de vida.
Em crises, altas doses de corticoides.
Isso REALMENTE me perturbava. Odeio medicar meus filhos. Prefiro homeopatias, tratamentos alternativos,alimentação bacana para uma boa imunidade...mas enfim, precisava, eu dava.
Paralelo a tudo isso, tinha em meu peito uma vontade latente de me aprofundar no universo da parteria. Eu queria entender, ver, vivenciar, sentir, tudo o que acontecia em partos com a atuação de parteiras tradicionais(aqueeelas de antigamente, sabem? Que partejavam no interior, nas zonas rurais de difícil acesso,as parteiras indígenas...tudo isso).
Sendo assim, sagitariana que sou, fiz minhas malas, juntei a minha família, e lá fui eu morar no interior do extremo sul da Bahia.
Quando cheguei na cidade do Prado, fiquei encantada.
Uma pequena cidadezinha, com ruas de chão batido, onde as pessoas se conhecem pelo nome, as crianças vão de bicicleta para a escola, onde se usa chinelo o ano todo e se vai na beira do mar no final da tarde molhar os pés...
Um pequeno paraíso perdido.
Lá, encontrei tudo que eu precisava naquele ano: calor, sol, mar, sossego e uma infinidade de parteiras com muita sabedoria, que mais pareciam feiticeiras com suas ervas e chás, suas rezas, seus rituais...
Era tudo tão lindo e intenso que fica bem difícil descrever.
Em lugares como esse, pasmem, já existe a cultura da cesariana também.
Quem é rico, fino, da "elite", tem seus filhos na cidade do lado, com dia e hora agendados com meses de antecedência. Nada de novo, não é?
Mas no Prado existem também as comunidades rurais e suas parteiras. E tem também uma linda comunidade indígena que vive por la.
E foi nesses lugares que eu aprendi que o partejo tradicional é uma arte. Não tem como definir de outra forma.
Essas parteiras saem de suas casas quando alguém vem correndo avisar que tem vizinha "sentindo que vai parir". Pegam suas bicicletas, suas lanternas, suas sacolas de ervas e panos e imergem em um processo tão intenso que chegava a me deixar meio drogada de emoção.
Elas usam técnicas, passadas de mãe para filha, de geração para geração, onde os instrumentos são as mãos. 
E nascem bebês cefálicos, nascem os pélvicos(esse vai ser preguiçoso, dizia dona Maria. Nem para virar ele se anima...), nascem os gemelares, nascem todos que quiserem nascer.
Com quantas semanas? Quase  nunca se sabe com exatidão.
Pré-natal é algo pouco considerado nessas comunidades (não façam isso em casa, ok, meninas?), e saber o sexo do bebê antes do parto é fora de cogitação.
A esmagadora maioria dos partos ocorre com a parturiente na posição de cócoras, o alívio para dor é feito com chás de raízes locais, e para maior proteção do períneo, as parteiras o seguram pressionando-o com cuidado, com a ajuda de um pano embebido de óleo de coco ou gordura de carne de carneiro derretida(sim. isso mesmo).
Se existe laceração?
Não que eu tenha visto. 
Os bebês são imediatamente colocados no peito para mamar, e a placenta sai logo em seguida, com a ajuda de uma compressa fria pressionada levemente em forma de massagem na barriga das mães.
Cada situação vivenciada nesse lugar tão lindo e misterioso, me transformou em uma pessoa diferente, em uma profissional diferente.
Vi e aprendi coisas que jamais imaginei aprender.
Mas depois de um ano na Bahia, de toda essa energia e experiências lindas, era hora de voltar.
Quando decidimos isso, percebemos que gostaríamos de voltar para perto de nossa família (pra quem não sabe, eu morei 13 anos em Porto Alegre, cidade que amo, mas sou natural de Santa Maria).
E lá fomos nós fazer as malas novamente, mas dessa vez em direção às nossas raízes, nosso chão.
Ahhh que sensação maravilhosa poder tomar um café com minha mãe no final da tarde, poder contar com minha família para criar meus filhos, poder fazer parte dessa teia de mulheres que tanto faz diferença na maternidade real!
Hoje residimos então em Santa Maria, e eu retomei a faculdade de enfermagem, pois depois de tudo isso vivido, não existe mais qualquer dúvida, meu destino é o partejo.
Não estou doulando aqui.
Estou muito focada em terminar a faculdade (pq naturalmente não consigo dizer não quando me pedem para acompanhar um parto- #birthlover -, e no ritmo que eu andava, jamais conseguiria me formar).
É um passo de recuo para o próximo passo ter um alcance maior.
Difícil, doloroso, mas necessário.
Minhas sinceras desculpas pelo desaparecimento, e nada impede que em casos isolados, eu acompanhe partos por aqui. Mas a maneira frenética que eu trabalhava não vai ser possível agora.
Espero continuar com textos bacanas, com trocas enriquecedoras aqui no blog, e aberta, sempre, a novas experiências.
Obrigada por estarem comigo até aqui.
Abraços, 
Kika Doula


obs) Nenhuma técnica aqui citada tem embasamento ou referência científica, foram apenas práticas de algo que faz parte da cultura local.





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